27 de jan. de 2014

"Mais Médicos" traz melhorias à atenção básica de saúde em Sergipe

Apesar das críticas e de toda a problemática em torno do Programa, população aprova a atuação dos médicos cubanos.

Por Ana Lúcia do Carmo e Francielle da Silva

    O acesso ao atendimento médico de qualidade é um direito garantido por lei. Nesse sentido, o Ministério da Saúde do Brasil  lançou, em julho do ano passado, o programa ‘Mais Médicos’, cujo objetivo é suprir uma enorme carência por médicos nos postos de saúde de todo o país. Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde de Sergipe, 79 profissionais já estão em atuação sendo destes nove médicos formados no Brasil, e 67 no exterior entre eles 2 intercambistas (médicos brasieliros formados fora do país) divididos em 32 municípios que aderiram ao programa. E que apesar de todas as críticas à importação dos profissionais estrangeiros, eles foram muito bem aceitos pela população.

   Desde seu lançamento, o Programa é alvo de muitas críticas principalmente pelos conselhos de Medicina, profissionais da saúde, além de estudantes de medicina que questionam o fato de se trazer médicos de outros países para atuarem no Brasil. Toda uma problemática foi levantada em torno da chegada dos ‘cubanos’, como são chamados, com relação à preparação desses profissionais, a necessidade de fazerem a Revalida (exame nacional de validação do diploma) e as condições de trabalho, que culminaram em uma série de protestos e paralizações por profissionais brasileiros que foram até considerados xenofóbicos. Mesmo após a concessão das liberações para atuação dos profissionais e seis meses depois da implantação do programa o Conselho Regional de Medicina de Sergipe – Cremese, mantem a mesma posição contrária aos ‘Mais médicos’.

   Em entrevista concedida ao Contexto Repórter ainda ano passado pelo então Corregedor do Conselho, Dr. Hyder Aragão de Melo, o diagnóstico feito pelo Ministério da Saúde está equivocado. “Somos contra o programa Mais Médicos, não por uma questão ideológica qualquer, somos contra por que consideramos que o diagnóstico do governo está errado e portanto a forma de resolver o problema também está errada. Dizemos que o diagnóstico está errado por que não há uma falta de médico, é uma falácia do Governo, existem médicos suficientes e isso já está contado. O que o governo tenta passar para a sociedade para justificar a afirmativa governamental de falta de médicos é mostrando para a sociedade que algumas regiões do país não captam médicos, perfeito, realmente não temos. Se você for para algumas cidades do município, não tem médicos; se for para o interior do Amazonas, não tem médicos; se for para o interior da Bahia, não tem médico. Isso é por falta de médico no Brasil? Não! Isso é um diagnóstico errado do Governo. O diagnóstico correto é: primeiro falta de condição de trabalho no interior, segundo, falta de uma carreira de estado para o médico”, completa.

   Para o estudante do 6º período do curso de Medicina da UFS- Universidade Federal de Sergipe, Gilenaldo de Góis, “o programa ‘Mais médicos’ é uma medida assistencialista que não resolve a fundo o problema da saúde no Brasil, é preciso muito mais, como condições de trabalho para que todos os profissionais da saúde possam exercer a profissão e melhor atender a população. Na opinião do estudante, o problema da saúde no Brasil é algo muito mais amplo que não se resolve apenas com a chegada de médicos estrangeiros. “ A chegada desses médicos não combate os problemas críticos da saúde em nosso país se não forem oferecidos condições de trabalho e acesso integral à população aos sistemas de saúde. Não vai adiantar ter o médico se não tiver remédio, se para fazer um exame mais especifico demore entre seis meses ou um ano e se cirurgias da mesma forma ou ainda se os hospitais não puderem receber pacientes por falta de infraestrutura”, finaliza.

   Já para o também estudante do 6º período do curso de Medicina da UFS Marcel Lima Andrade, a idéia do programa é necessária, o problema é a maneira como foi posta. “O programa foi implantado como que de última hora como resposta aos protestos que aconteceram ano passado, não acho errado trazer os médicos, no entanto do jeito que fizeram dá a entender que existe uma má vontade dos médicos que já atuam aqui em trabalhar no interior. Acredito que existam métodos mais eficazes para se fazer isso a exemplo do Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica (Provab) e do Fundo de financiamento estudantil (FIES).Também acredito ser muito necessário que eles façam o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida), não verdade seria bom que também alunos formandos em medicina fizessem uma prova para avaliar sua capacidade de atuação, o bom profissional que tem certeza de sua preparação e capacidade não vai ter problemas em testar e reforçar a certificação do seu conhecimento”.

Mudanças no atendimento

   No entanto, antes da chegada dos profissionais estrangeiros, o Brasil sofria de um déficit muito grande de médicos para o atendimento no Programa de Saúde da Família (PSF) e quem estava sofrendo com isso era a população do interior e das periferias que estavam sem médicos.

   Um dos exemplos disso é o município de Macambira, agreste do estado, 68 km distante da capital Aracaju, que foi contemplado na segunda etapa do programa com dois médicos cubanos já instalados e em atuação na cidade. De acordo com a coordenadora da Atenção Básica de Saúde e também responsável pela atuação do ‘Mais Médicos’ no município, Acácia Almeida, a chegada dos médicos cubanos supriu a carência de atendimento diário no Programa de Saúde da Familia.  “O programa veio na hora certa para o nosso município, nós temos duas equipes do PSF, uma na zona rural e outra na zona urbana. No entanto, devido a outro vínculo de trabalho, um médico que trabalhava aqui pediu afastamento. Pela necessidade de termos médico de segunda a sexta-feira, recebemos a proposta do ‘Mais Médicos’, logo de bom grado aceitamos e a chegada dos cubanos supriu a nossa necessidade de atendimento médico à população diariamente”.

   Com a jornada de oito horas diárias e 40 semanais, eles podem atuar diretamente nas comunidades e assim auxiliar as famílias do PSF que os aceitaram sem qualquer restrição aparente. “Apesar do pouco tempo deles aqui na cidade, podemos perceber que mudanças significativas já aconteceram, o povo teve uma boa aceitação do trabalho deles, gostam muito e até elogiam, gostam do atendimento deles, são detalhistas”, completou.

   Para o secretário municipal de saúde, João Batista Oliveira, a ideia do programa foi uma surpresa, mas trouxe consigo a esperança de uma melhoria na saúde do cidadão macambirense. “Desde o primeiro contato com o programa ‘Mais Médicos’, através de uma palestra com o ministro da saúde Padilha, ficamos surpresos com a ideia do programa e com a possibilidade de melhoria no atendimento a população de Macambira. Após contato com o prefeito municipal, Ricardo Souza (PSD), decidimos então implantar o ‘Mais Médicos’. Logo na segunda fase fomos contemplados, já que na primeira fase foram selecionados municípios que estavam sem médico. Para a implantação, tivemos o apoio da secretaria estadual de saúde e também da Universidade Federal de Sergipe (UFS)”.

   Para ele, ainda há muito que ser feito na saúde pública do Brasil, mas esse projeto já é o primeiro passo. “É certo que eles sozinhos não irão resolver todos os problemas da saúde no país, mas trazê-los é o primeiro passo para a melhoria. A população os aceitou muito bem, até por que existia uma carência de médicos não só aqui, mas no país todo e eles supriram essa carência". O secretário fala até em parcerias com os próprios médicos: “Estamos fazendo um estudo das condições de saúde no município para que possamos desenhar novos caminhos para os cuidados da saúde aqui, através da união do melhor que eles podem oferecer, em especial sobre a medicina preventiva ao melhor que temos no PSF e assim possamos desenvolver um tratamento preventivo e educativo junto à população, por que entendemos é melhor e mais barato educar do que tratar”.

Adaptação

   Um dos médicos instalados no município é a Dr.ª Eudania Coubas Matos, 35 anos, em atuação há trinta dias. Para ela, “o projeto é muito satisfatório para o Brasil, para melhorar o estado da saúde das comunidades carentes. Aqui em Macambira, as condições de saúde estão melhorando, os tratamentos que estamos indicando estão ajudando a população”. Apesar de toda dificuldade de adaptação, Eudania diz que gostou da cidade e já está se acostumando “É ainda um começo muito difícil, longe da minha família, mas a cidade mesmo pequena é muito boa, tudo muito organizado e as pessoas muito alegres me receberam muito bem. Quando resolvi me inscrever no programa, não imaginei que seria assim, queria conhecer o Brasil, experimentar uma cultura diferente e também ajudar a economia do meu país. Pelo meu país vale a pena estar aqui, vale a pena nosso esforço”, ressalta.

   A auxiliar de serviços gerais Maria da Conceição, moradora do município há dez anos, diz que a saúde agora está melhorando. “Aqui agora está bom, tem médico todo o dia, se você chegar aqui qualquer dia de segunda a sexta tem médico no posto, é um cubano muito alegre, brincalhão e uma médica também de Cuba. Os dois atendem muito bem, eles olham tudo tocam na gente, são muito atenciosos no atendimento. Eles até falam um pouquinho diferente, mas eu consegui entender direitinho e ela me entendeu também, eu gostei muito. Tem uns médicos que a gente vai que nem olha na nossa cara, eles são diferentes e o remédio que ela me passou serviu, logo fiquei boa”, afirma.

Mais Médicos em São Cristóvão

   Outro município que recebeu o programa foi São Cristóvão, localizado na região metropolitana de Aracaju, contemplado com três médicos já na primeira fase. Com 24 unidades de saúde e o salário oferecido pelo município, estava difícil conseguir contratar médico para o Programa de Saúde da Família, como afirma o secretário interino de saúde e também diretor/presidente do SAAS (sistema autônomo de água de São Cristóvão), Júlio César Cardoso. “Acompanhei todo o projeto da implantação do programa em São Cristóvão e sei que aqui ele foi implantado pela necessidade de se ter um médico principalmente na sede do município. Antes do ‘mais médicos’ se tinha uma dificuldade imensa de contratar médico. São Cristóvão que é bem próximo da capital,  não conseguíamos um médico  que se fixasse no PSF, imagine outros mais distantes. O programa surge para suprir essa necessidade existente em diversos municípios do país. O Ministério da Saúde fez a proposta nós nos credenciamos pelo próprio sistema, concordamos com a obrigatoriedade de instalação física desses profissionais no município, auxilio moradia, locomoção e alimentação, e estamos cumprindo para que eles permaneçam aqui atendendo a população”.

   Para Júlio César, assim como todo inicio a implantação do programa foi também complicada, mas já se faz um balanço de bons resultados. “Tivemos algumas dificuldades na implantação do programa no que diz respeito às condições de trabalho, no entanto muita coisa já foi feita para melhorar não só as condições de trabalho desses profissionais, mas também sua preparação para os atendimentos, dificuldades politicas não tivemos nenhuma, só mesmo entender como funciona o projeto e o impasse que existe entre os sindicatos representantes das categorias dos médicos e o governo federal. Já podemos fazer um balanço muito positivo dos resultados da ação do programa em São Cristóvão, a população está muito satisfeita com eles, os aceitaram muito bem sem qualquer discriminação e elogiam o atendimento”.

   Já para a médica brasileira, nascida em Aracaju Sandra Glaucia da Conceição, 32 anos, trabalhando no município de São Cristóvão desde 1º de outubro, o ‘Mais Médicos’ foi uma oportunidade de voltar para casa. “Através do meu envolvimento em movimentos sociais e uma parceria existente entre o governo brasileiro e o de Cuba para militantes, consegui uma bolsa para estudar medicina. Resolvi ir estudar fora do meu país não só por já ter conhecimento da medicina de lá e saber que Cuba investe muito mais em saúde do que o Brasil, mas também pela dificuldade de conseguir ingressar no curso em uma universidade brasileira. Mas sempre tive vontade de voltar para trabalhar na atenção básica à saúde do Brasil, em especial aqui em Sergipe. Estava nos meus planos voltar um pouco mais tarde. Até o surgimento do programa passei sete anos na Argentina, atendendo na rede pública de saúde. Entretanto voltar para casa me deixa muito feliz por poder brindar os 13 anos que passei fora estudando e trabalhando, usando toda minha experiência para ajudar o meu povo”.

   Mesmo em meio as difíceis condições de trabalho, Sandra afirma que é muito vantajosa a criação de um programa como esse. “Só o fato de a população ter médico a disposição todos os dias, mesmo que com uma péssima qualidade de infraestrutura, mostra positividade no programa. Desde que cheguei aqui nada mudou na qualidade do espaço em que tenho atendido o povo, mas há projetos de melhorias. O Ministério da Saúde está cobrando melhorias da atenção básica à saúde, o que nos dá esperança de que essa atual infraestrutura vai melhorar”.

Desfazendo mitos

   A chegada desses profissionais às cidades onde estão atuando desfez alguns mitos referentes à comunicação, adaptação e também desperta curiosidades. Segundo a médica, “os idiomas são muito parecidos e o fato de ter nascido aqui ajudou um pouco quanto ao entendimento, não tive muitos problemas com a adaptação, nem nenhum tipo de discriminação ou represálias por parte dos meus colegas que já atuavam no município, nem também por parte da população. O que aconteceu e ainda acontece é a chegada de curiosos ao meu consultório querendo saber quem é a cubana, como ela é, como fala e etc., mas quando chegam aqui é até engraçado por que eles estranham o fato de que eu  não falo diferente, nem sou diferente e aí eu explico que na verdade não sou cubana, sou sergipana como eles e apenas estudei em Cuba”.

   Contrapondo-se ao secretário de saúde, que afirma esta o município cumprindo com sua parte no acordo do programa, que é assegurar os auxílios financeiros para locomoção, aluguel imobiliário e alimentação, Sandra afirma que desde que chegou a  cidade ainda não recebeu esses auxílios. “O município não está cumprindo com o acordo feito com o Ministério da Saúde e com o governo federal, ainda não recebi nenhuma ajuda de custo, como profissional dentro do programa eu tenho o direito de escolher morar ou não aqui em São Cristóvão. Como escolhi morar em Aracaju, tenho que vir todos os dias nos ônibus coletivo para o trabalho e não tenho meu aluguel pago pela prefeitura”.

   O morador de São Cristóvão Gilvan dos Santos parabeniza a implantação do programa. "Aqui realmente estava sem médico, mas não resolve tudo a saúde e todo o resto aqui estão no caos, alguma coisa tinha que funcionar legal, bom que seja médicos para  atender o povo e o trabalho deles é bom, ouço muita gente elogiando, ainda não fui lá conversar com eles, mas qualquer dia vou é só eu precisar”.

    O Ministério da Saúde planeja outra fase do programa, devido aos municípios não inscritos nas primeiras fases, que agora despertam interesse para aderirem ao programa que tem inicialmente contrato de três anos com possível renovação por mais três. Segundo Anderson Farias, diretor do Núcleo do Ministério da Saúde em Sergipe, a expectativa é alcançar 200 médicos do programa até março deste ano. O programa ‘Mais Médicos’ não se resume exclusivamente à contratação de médicos, mas também preconiza a melhora do atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e investimentos em infraestrutura nos hospitais e unidades de saúde. Em Sergipe, o Governo do Estado vem investindo de forma a reforçar o atendimento na rede básica e destinou R$ 72 milhões para a construção de Clínicas de Saúde da Família (CSF), das quais 79 já foram entregues oficialmente à população. A mais recente foi inaugurada no último dia 17, na cidade de São Domingos, distante 76 km da capital e que será uma das próximas cidades beneficiadas pelo programa.

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