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"Vamos à luta, viva la revolución!!!"
Foi com esta frase que o cineasta argentino Carlos Pronzato se despediu do Sercine

Por Matheus Santos Alves

19h. Dez minutos separa o ponto de ônibus mais próximo do Centro de Criatividade de Aracaju (CCA). Esse é o tempo médio para que a distância seja percorrida sem muito esforço. A avenida de acesso, que fica defronte ao Colégio Salesiano infantil e ao lado do Hospital Cirurgia, não chega a ser movimentada, mas fornece alguma segurança aos transeuntes. Há uma boa circulação de automóveis. Alguns poucos pedestres cruzam o caminho. No meio do percusso há um colégio da rede privada. Um numeroso grupo de alunos espera, na frente, a condução para o regresso para casa. Nenhum deles sabe que ao final da avenida, dentro de alguns instantes, acontece uma homenagem a Carlos Pronzato. Ou pelo menos deveria ter acontecido em alguns instantes.

A mostra Carlos Pronzato, que tinha como objetivo homenagear e apresentar o trabalho do diretor, escritor, cineasta independente, 'bloggueiro' e militante de causas sociais, natural da Argentina mas brasileiro e baiano por opção, começou com um atraso de uma hora e dez minutos na quinta-feira, 29 de abril, segundo dia do 1° Festival de Cinema Universitário de Sergipe, o Sercine. Nada foi explicado aos espectadores sobre o que ocasionou o problema, mas isso não diminuiu a empolgação dos poucos presentes.

Contando favas

Havia uma média de 30 pessoas no primeiro dia do evento. Essa contagem inclui os organizadores, estudantes, professores, e pessoas ligadas aos curtas que foram exibidos antes do filme. Mas restaram apenas oito quando a exibição de La Rebelión Pinguina, los estudiantes chilenos contra el sistema começou. O filme aborda o cenário político-educacional chileno no ano de 2006, quando estudantes secundaristas fizeram uma greve estudantil para pressionar o governo a oferecer melhores condições de educação.

Quem assistiu à mostra Pronzato era, em sua maior parte, pessoas ligadas com audiovisual de alguma forma, seja como estudantes ou profissionais da área. Salvo duas mulheres do bairro, que entraram na sala de exibição por curiosidade para saber o que estava acontecendo, ou os estudantes de jornalismo que foram cobrir o evento, a mostra poderia não ter ocorrido, que não faria diferença. Quem assistiu às exibições foi até o CCA para acompanhar as mostras de curtas e ficou até o fim.

Isso ficou evidente no sábado, 30 de abril, terceiro dia da evento, segundo da exibição de Pronzato. Seria exibido na mostra de curtas o filme Xandrilá, um curta que havia lotado o Teatro Tiradentes na sua estreia, no mês anterior. Quando começaram as exibições do cineasta argentino, haviam 15 pessoas na sala. Quando chegou o momento do curta sergipano, mais de 70 pessoas assistiram. O recorde do evento. Após Xandrilá, meio que por mágica, a sala esvaziou. Apenas dez assistiram ao filme Madres de Plaza de Mayo – memória, verdade, justiça.

O público recorde nas exibições de Pronzato foi no último dia do Sercine, 52 pessoas, entre estudantes, diretores, organizadores e espectadores assistiram a Mapuches, un pueblo contra el estado. Isso porque a exibição ocorreu antes da premiação final. E não seria surpresa nenhuma, se por ventura ela fosse realizada após a premiação, a sala ficasse vazia. O problema não estava nos filmes exibidos, que eram excelentes: mostravam um lado da América Latina desconhecido da maioria dos brasileiros, seja pela omissão das grandes mídias ou pela falta de interesse das pessoas. Nas palavras de Pronzato, somos analfabetos em América Latina.

Expressão e repressão

Após a exibição do filme, ele foi convidado pelos organizadores do Sercine para conversar com o público. Durante 25 minutos, ele falou sobre os filmes exibidos pela mostra e elogiou as escolhas da comissão organizadora, por ter mostrado o que ocorre de lutas na América Latina. Mostrou-se inteirado sobre os movimentos estudantis do estado, enquanto falava sobre Rebelion Pinguina; mencionou nossos índios, o tratamento que damos a eles e o fato de sermos o único país do mundo que comemora o dia da colonização; pontuou que a maior parte do seu trabalho tem cunho político; seu objetivo é mostrar o que a mídia não mostra.

Quando questionado pela plateia sobre as repressões que sofreu pelo tipo de trabalho que realiza, o cineasta disse que foram poucos os casos de repressão, depois que a democracia voltou a pairar na América. O mais grave, segundo ele, ocorreu na capital baiana, por causa da cobertura que ele fazia, sobre a destruição de um terreiro de candomblé, em um bairro de classe média. Para ele, a maior repressão que sofre é por parte da grande mídia ou das mídias estatais, que não exibem seus trabalhos.

Para Baruch Blumberg, um dos idealizadores do Sercine, a escolha de Pronzato se deu “pela importância de sua obra; para mostrar a importância dos movimentos sociais, a importância da mobilização; por ele usar o cinema como ferramenta política e social, para inclusão e informação; e por ser um ser humano fantástico, um cara muito simples, aberto a discutir. Não tinha pessoa melhor para abrir o Sercine”, afirmou após o encerramento da mostra.

Carlos Pronzato, o homenageado, quando questionado sobre o que sentia em ter sido o escolhido para abrir o evento, além do clichê “estava muito feliz”, respondeu que havia um significado diferente, um avanço, por ele haver sido indicado por um festival de cinema e não por um festival de cinema político, como geralmente acontece, por haver penetrado em um cenário onde os temas escolhidos são completamente diferentes, onde outros temas têm mais peso que os temas políticos.

Os espectadores do Sercine não deram a devida importância às obras de Carlos Pronzato. Os organizadores tentaram trazer um ideal e ele não foi compreendido pela maioria. Não conseguiram ver a magnitude das obras apresentadas, as obras de um cineasta que, por esforço próprio, narra em seus trabalhos as lutas das classes oprimidas na América Latina. Uma homenagem bem feita, mas pouco apreciada. Resta saber onde aconteceu o erro. Se na localização do evento, nos horários das exibições, ou na falta de divulgação. O que fica disso tudo é o desinteresse que as pessoas têm por assuntos que não fazem parte da agenda da grande mídia.


Universidade pra quê?
Desinteresse da maioria dos alunos de Audiovisual da UFS pelo Sercine causa surpresa e indignação

Por Claudia Janinny

Vários meses planejando e outros mais correndo atrás de recursos. O tempo foi pouco para que o 1° Festival de Cinema Universitário de Sergipe (Sercine), realizado em Aracaju, entre os dias 28 de abril e 1° de maio, passasse de uma simples idealização para algo concreto, tornando-se um incentivo para demais eventos de audiovisual no estado.
Um público fiel, cheio de expectativa e orgulhoso em poder participar de um festival que tinha como proposta ser uma oportunidade de movimentar a cena audiovisual de Sergipe era o mínimo esperado por todos os que se empenharam na sua realização. Mas, infelizmente, o que se encontrou foram auditórios quase vazios, muitas vezes ocupados majoritariamente por integrantes da própria organização ou por palestrantes convidados.

A ausência de estudantes do curso de Audiovisual da UFS, criado em 2008, em um evento que seria de grande importância para a trajetória acadêmica e profissional de cada um, causou surpresa e deixou no ar muitas interrogações. Afinal, o Sercine abriu espaço para discussões extra-classe com palestras enriquecedoras, como a de Carlos Pronzato, que tratou de temas referentes à organização e mobilização social, usando o cinema como ferramenta para libertação e compartilhamento do poder. As mostras competitivas atraíram universitários de vários estados, alguns presentes às exibições, o que permitira uma boa troca de experiências. Isso sem falar das oportunidades oferecidas pelas oficinas de Cinejornal e Produção Cinematográfica.

Inexplicável

Os poucos alunos de audiovisual que compareceram mostraram-se indignados com a falta de consideração e interesse dos próprios colegas de curso. “Eu não sei por que eles não vieram, a professora Ana Ângela até nos liberou da aula na sexta-feira para que pudéssemos vir e, mesmo assim, não vieram”, desabafou, quase em coro, um grupo de estudantes de Audiovisual da UFS. A inexplicável ausência levantou uma questão importante: como os estudantes estão encarando a sua formação universitária? Será que comparecer às aulas e fazer somente o que lhes é pedido pelo professor seria o bastante? Que tipo de profissional realmente alguém espera ser, no mercado de trabalho, ao adotar uma postura dessa?

Maíra Ezequiel, professora de audiovisual da UFS
Segundo a professora de audiovisual da UFS Maíra Ezequiel, essa tem sido, infelizmente, a triste  realidade de diversos cursos, e não por falta de estímulo do professor. Ela atribui essa situação a “sequelas deixadas pelo antigo modelo educacional”, e que ainda vigora em diversas unidades de ensino. “Estimular, nós professores sempre estimulamos, mas o aluno ainda está com a mente no antigo modelo educacional. O vício de querer tudo nas mãos e não ter a iniciativa de ir em busca de algo que venha beneficiá-lo tem sido recorrente, não só no Audiovisual, mas é uma reclamação de professores de outros cursos também”, afirma, desapontada.

Construtivismo

De acordo com o pedagogo formado na UFS Ivan Nepomuceno, na educação tradicional, os professores seriam agentes de comunicação do conhecimento e das habilidades, ou seja, o aluno seria um ser totalmente dependente do professor: desde o que deve aprender até o que deve responder. Esse modelo tornava o aluno um ser incapaz de criar, tendo que reter e repetir os conhecimentos, ao invés de inventá-los.

O novo modelo educacional, conhecido como construtivista, entende o aluno como um ser ativo no processo ensino-aprendizagem e o professor seria um mediador entre o conhecimento e o aluno, atuando como orientador e não como único “detentor do saber”. “Tornar o aluno um sujeito ativo no processo ensino-aprendizagem, dando-lhe a oportunidade de construir o seu próprio conhecimento, não apenas receber as respostas prontas, proporcionará a ele autonomia e responsabilidade", explicou Nepomuceno. Mas a questão é: como adotar um método construtivista com alunos tradicionais? A Universidade oferece os instrumentais para a formação do aluno, mas o interesse, o compromisso, a dedicação e o envolvimento deve ser dele. Afinal de contas, isto seria o mínimo que se pode esperar de pessoas adultas.

Embora os organizadores do Sercine tenham ficado desapontados, quem saiu perdendo nessa história foram os próprios alunos, avalia Maíra Ezequiel, que participou como convidada de duas mesas redondas do Festival. “Eles perdem a experiência e a oportunidade de poder trocar informações, de conhecerem outras visões e praticar o que é visto e discutido em sala de aula.” Por isso a professora continuará incentivando a iniciativa dos organizadores do evento: “Com certeza o início é sempre difícil. O Curta-Se começou como um evento pequeno, somente local, depois tornou-se nacionalmente conhecido e hoje é reconhecido internacionalmente. Toda e qualquer iniciativa é bem vinda, é sempre bom poder divulgar as produções locais. Deveriam existir mais festivais, por isso o Sercine já significou um ótimo começo", afirmou, entusiasmada.

Como disseram – e repetiram várias vezes – os organizadores do Festival, o saldo geral foi positivo, pois a semente foi plantada. O que se espera é que ela germine, dando bons frutos para o audiovisual sergipano, e que o 2° Sercine possa contar com o prestígio dos estudantes de Audiovisual da Universidade Federal de Sergipe.