30 de set. de 2016

“Aqui todo mundo é mestiço, todo mundo é igual”

Por Adele Vieira e Clarissa Martins
A herança da escravidão brasileira criou um estereótipo racista em relação à população negra brasileira, colocando-a à margem da sociedade. Após séculos do período colonial, o racismo ainda é refletido no Brasil como um legado negativo deixada pelo sistema escravista: a exclusão, a violência e o encarceramento continuam sendo aplicados com maior frequência àqueles com traços étnicos e memória dos povos explorados.
A invisibilidade da negritude na TV, por exemplo, que por vezes destaca nos filmes e novelas os estereótipos do negro subalterno, criminoso e periférico, cria violências simbólicas que podem ser naturalizadas quando acontecem na realidade. Isso leva o imaginário social a acreditar que o racismo no Brasil é um mito incoerente. "Aqui todo mundo é mestiço, todo mundo é igual e se não tem branco e nem negro, então também não tem racismo.", diz a aposentada e negra de 51 anos Aparecida dos Anjos.
Para Dona Aparecida, a igualdade racial é uma realidade, mas o seu filho Thiago dos Anjos, professor de Sociologia, de 31 anos, discorda. Ele conta que já apanhou de policiais sem motivo plausível quando estava voltando da escola em que leciona, por volta das 22h. “Eu só estava andando!” Ele relata que ainda estava perto da escola quando uma viatura parou e dois policiais desceram agredindo-o. "Convenhamos que eu não recebo como um policial e não consigo andar sempre impecável, e além disso eu sou negro e meu cabelo black é bem armado, mas isso não é motivo para duvidar que eu trabalho e me socar antes mesmo de falar comigo”, revolta-se.
Dona Aparecida não acredita que o fato de os policiais terem abordado o seu filho de forma tão agressiva e sem motivo aparente tenha sido racismo. “A culpa é sua que nunca arruma esse cabelo e parece um marginal, pare de se fazer de vítima”, fala irritada a aposentada. “Mal sabe você que é racista”, resmunga Thiago.
“O pior de tudo eram os olhares deles de nojo”
No policiamento ostensivo brasileiro a ação preventiva é um componente fundamental, permitindo a antecipação dos policiais à prática de delitos, ou seja, é admissível que a reação policial seja anterior à ação criminosa, como aconteceu com Thiago. Para isso é necessário identificar e neutralizar os possíveis infratores a partir da concepção de um perfil suspeito. Em entrevista à equipe do Contexto Repórter, um policial negro da Polícia Militar de Aracaju cuja identidade será preservada, nega que para a identificação desses perfis a cor da pele seja levada em consideração. Segundo ele, as primeiras características analisadas são o andar e os tipos de tatuagens, e exemplifica “O cidadão que tem uma tatuagem de palhaço tem que ser abordado, porque o palhaço quer dizer 'matador de polícia'. Então ele sendo ou não marginal, se torna um suspeito.”
Diferente do pensamento que geralmente associa o racismo à pessoas negras sendo perseguidas ou mortas por policiais, atitudes como duvidar das capacidades intelectuais ou olhar diferente para alguém simplesmente pela cor escura da pele também podem ser interpretadas como racistas. Manifestações consideradas mais brandas, sem agressões físicas, mas que afetam os indivíduos psicologicamente.
Laýs Millena, negra e estudante de 17 anos, conta que já passou e passa por inúmeras situações desse racismo “brando”, e a que ela considera  pior aconteceu dentro de casa.  A secundarista conta que por anos alisou o cabelo até que resolveu não mais se esconder atrás de químicas e soltou os cachos, mas a sua família não aprovou o fato de ela ter assumido suas raízes. “O pior de tudo eram os olhares deles de nojo, de repugnância, de maldade e desgosto que me atingiram de um jeito que comecei a reproduzir no espelho”, desabafa, quase aos prantos. Com o apoio de amigos que também passaram por situações parecidas, Laýs aprendeu a lidar com olhares e opiniões alheias. “Minha aceitação demorou, mas finalmente parei de ter vergonha de quem eu sou!”, conta sorrindo.
“147% a mais de chances de ser vitimados por homicídios”
A crueldade do racismo institucional pode ter consequências extremas e ocasionar morte, fato comprovado pelo Atlas da Violência 2016. No Brasil, em 2014, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes não negros era de 15,6 em contraste com a de negros, que alcançava 37,5. Segundo o Atlas: “Aos 21 anos de idade, quando há o pico das chances de uma pessoa sofrer homicídio no Brasil, pretos e pardos possuem 147% a mais de chances de ser vitimados por homicídios, em relação a indivíduos brancos, amarelos e indígenas.”
No mesmo ano, em Sergipe, enquanto a taxa de homicídios por 100 mil habitantes não negros era igual a taxa nacional, a de negros era de 60,5. O número elevado é preocupante, principalmente se analisado a partir das proporções populacionais do estado. Por isso é importante que haja políticas públicas ou secretarias específicas criadas pelo governo e até mesmo ações independentes desvinculadas ao estado, como é o caso da União de Negros pela Igualdade (Unegro).
A Unegro é um movimento social que atua em Sergipe e em outros 23 estados brasileiros e busca articular a luta contra o racismo, com a luta de classes e contra as desigualdades de gênero. Segundo Flávio Nascimento, militante da organização em Sergipe, a entidade possui dois projetos - o Cine João Mulungu, que promove a exibição de filmes com temáticas ligadas à questão étnico-racial seguida por debates; e o projeto Todo Cabelo é Bom, que é realizado nas escolas e busca desconstruir o racismo através da valorização da estética negra. Também participa de instâncias sociais como fóruns, conselhos e frentes, viabilizando o encaminhamento de demandas e formulação de políticas públicas em defesa dos direitos da população negra.
No âmbito nacional, as questões ligadas ao racismo eram levadas ao Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, que no atual governo passou a ser a Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial que integra o novo Ministério da Justiça e da Cidadania. Há também a Lei n. 7.716/1989, que criminaliza qualquer discriminação de raça e cor com pena de dois a cinco anos de reclusão.
Em tese, a criminalização punitiva já deveria ser o bastante para tornar o racismo bem menos frequente, porém a lei é pouco aplicada. Apesar de constantes, os atos de racismo são muitas vezes considerados injúria racial, que prevê punição mais branda - de um a seis meses de prisão e multa - o que contribui para a impunibilidade e a perpetuação desta cultura herdada do período colonial, tornando ainda mais utópico alcançar a igualdade racial no Brasil.

29 de set. de 2016

Drogas anulam a visão de futuro

Histórias de dor e superação

                                                     Por: Anneli Rodrigues e Bruna Barreto

"Sinto- me um vitorioso, quando afirmo ter saído do mundo das drogas" afirma Everton dos Santos Duarte, 35 anos, nascido em João Pessoa, cidade onde se encontra toda sua família. Criado nos preceitos do cristianismo, aos 17 anos, resolve abandonar a família com o objetivo de “conhecer o mundo”. Segundo Everton não foi nada fácil ser um dependente químico. Ele conta que usou diversos tipos de drogas durante 8 anos até que um dos seus parceiros pediu-lhe que fosse até uma boca de fumo comprar. Ao chegar o meio do caminho começou a se perguntar "por que eu e não ele?". Era uma emboscada, pois seu amigo devia muito aos traficantes. Apavorado e com medo de morrer, não encontrou outra saída a não ser ajoelhar-se e rezar.
 Everton afirma, ainda, que no dia seguinte ao abrir a porta, deparou-se com a presença de seu irmão, também ex-usuário de drogas e já recuperado, que se tornou pastor. Ele sentiu naquele momento algo muito forte e resolveu mudar de vida. Chegou a Sergipe através do contato com um amigo que conheceu na Instituição Manassés (casa de apoio para usuários de drogas). Hoje casado, trabalha como vendedor de balas dentro dos transportes públicos de Aracaju e passou a frequentar a igreja quadrangular do bairro Rosa Elze duas vezes por semana.          



Everton dos Santos Duarte 
executando seu trabalho no
ponto de ônibus na capital Aracaju.
         
Mãe encontra superação nos amigos e religião para ajudar filho.










         Maria (pseudônimo), 34 anos, residente da Zona Sul de Aracaju, se emociona ao relembrar sua história de dor e superação. A decoradora de festas conta que foi pega de surpresa quando descobriu que um dos seus filhos estava usando drogas. Tudo veio à tona quando viu no celular do filho de 17 anos mensagens dizendo que ele tinha interesse em comprar pé de maconha para plantar no seu próprio quintal. Apavorada com a notícia entrou em pânico e começou a gritar. A dor foi mais forte ainda quando ele revelou que a iniciativa foi da sua filha mais velha, que também fazia uso sem que ela nunca tivesse desconfiado.


          Angustiada, Maria passou a investigar seu filho e percebeu que para manter o vício ele já estava se juntando com amigos para roubar. Diante da gravidade da situação, começou a procurar ajuda de amigos e religião, para encontrar forças para ajudar seus filhos. Até que um dia foram presos alguns de seus amigos. Ela aproveitou a oportunidade para dizer ao filho que ele poderia ser um daqueles. Disse também que se  um dia alguém fosse até a sua casa a procura para matá-lo que ela o entregaria porque não seria justo ela e os demais irmãos pagarem pelos seus erros. 

           De acordo com Maria, só então o filho se viu sem saída e pediu sua ajuda. Dai em diante, ela passou a dialogar mais com o filho, a acompanhar frequentemente a escola e fazer com que ele ajudasse no trabalho com decoração de festas como forma de preencher as horas vagas. Hoje conta com êxito sua história, embora ainda tenha medo de que ele tenha alguma recaída.

Entrada da instituição.
       Força e determinação.

        Foi em busca de uma saída  fora das drogas que o pastor Manoel Vieira Neto, de 54 anos e ex usuário de drogas (foto) resolveu fundar o Centro de Recuperação Evangélico Maanaim em 25 de setembro de 1999. Ele relembra que para ele não foi nada fácil , pois era filho de empresário e no entanto resolveu abandonar tudo e passou a viver 12 anos como mendigo nas ruas , por conta das drogas , até o dia em que encontrou  o Centro de Recuperação CRESOL. Hoje recuperado e com sua própria  família , resolveu devolver para sociedade o trabalho de recuperação, buscando dar a outros uma nova chance de viver a vida fora do mundo das drogas .

Manuel Vieira Neto
      Atualmente existem 12 unidades do Centro espalhadas pelos estados da Bahia , Rio de Janeiro e Sergipe, onde há 2 anos e meio no povoado Robalo, em Aracaju, oferecendo tratamentos para homens e para mulheres. De acordo com Vieira Neto , a instituição sem fins lucrativos sobrevive graças ao trabalho de um assistente social , um psicólogo e de outros 40 voluntários, além dos oitenta internos que ao mesmo tempo em que se recuperam, trabalham no resgate de outras pessoas que estão no submundo das drogas, através de vendas de livros, chaveiros, e outros produtos, que compram ou confeccionam.  
       O Pastor conta ainda que o tratamento desses dependentes químicos acontece por livre arbitro , pois sem isso a recuperação não se consuma,  e que poucos fazem uso de medicamentos. Segundo ele a participação da família é de suma importância nesse processo. Porém é preciso que o usuário demostre  mudanças de  atitudes para que possa obter sua credibilidade de volta. Ele frisou ainda que há atividades desenvolvidas tanto para os internos  quanto para as famílias, como o Pagode em Cristo .
        Um dos interno da instituição, ex usuário de drogas Paulo (pseudônimo) , 28 anos  conta que aos 14 anos conheceu a maconha, e que não parou por aí , tornando-se traficante .Ele exercia essa atividade pela manhã , á tarde ia para a escola e  á noite voltava a praticar  assaltos e furtos. Para ele esse processo de entrar no mundo das drogas aplica-se a família desestruturada, pois durante sua infância via seus pais vivendo em conflitos conjugais. “ Ver meu pai chegando em casa alcoolizado e espancando minha mãe , doía demais na alma “ relembra. 
        Diante de tantos desencontros e atritos dentro de casa ele resolveu viver na rua, até que um dia foi espancado por cerca de 15 homens e foi  parar no hospital. Lá ouviu uma voz falar “volte para casa. Sentiu então que esse não era o caminho. Voltando para casa, sua irmã o levou para igreja assembléia. Onde conheceu uma moça com quem  formou uma família. Porém "o casamento não deu certo”, lamenta. Depois de tentar outros caminhos,teve a oportunidade de conhecer o Centro de Recuperação Maanaim, onde vive a  6 meses.

       Serviço de saúde pública

      Em Aracaju existe além de diversas instituições voluntária que desenvolve o trabalho de ajuda a dependentes químicos. Existe o CAPS -Centro de Atendimento Psicossocial, um serviço de saúde pública que possui 25 unidades no estado, das quais cinco na capital. A AD Primavera situado na rua Firmino Fontes bairro Atalaia, funciona durante 24 horas, e de pendendo da gravidade do caso , o paciente poderá ser acompanhado em uma ala de observação ou na unidade de internação curta. No entanto, por excesso de exigências burocráticas da instituição não foi possível ter acesso as informações do serviço com os profissionais , usuário e familiares para esta reportagem.