Mídia Jovem

Futuros cineastas
Produções audiovisuais resultantes de oficinas ganham programação exclusiva


Por Alanna Molina e Raimundo Morais

Um mix de produções universitárias e de núcleos de produção digital de todo o país, e uma porta de entrada para jovens que ainda não estão na universidade mas que se encantam e se envolvem nesse mundo tanto quanto os graduandos da área. Assim foi o Sercine - 1º Festival de Cinema Universitário de Sergipe, que aconteceu entre os dia 28 de abril e 1º de maio, na capital sergipana. Entre as cinco mostras programadas, a Mídia Jovem reservou dois dias (sexta e sábado), no auditório do SESC-Centro, para exibição das produções audiovisuais de adolescentes resultantes de oficinas promovidas pelo Instituto Recriando. Porém, o tempo chuvoso foi um obstáculo para que os jovens pudessem comparecer à segunda sessão, que acabou sendo cancelada por falta de público.

O Mídia Jovem é um projeto executado pelo Instituto Recriando, em parceria com o governo do Estado de Sergipe e a Oi Futuro, que atende preferencialmente grupos populares do estado. O projeto visa estimular a criatividade, a participação social e o protagonismo de adolescentes e jovens, contribuindo para redução do índice de evasão escolar, melhoria da aprendizagem, promoção da (re)integração social, valorização da cultura regional e promoção da cultura de paz.

Foto de Raimundo Morais
A mostra Mídia Jovem foi inserida no Sercine com o propósito de abrir espaço para a iniciativa de jovens que se interessam e buscam conhecimento na área, mas que não têm muitos recursos para executá-los. O Recriando apoia esses jovens ao realizar oficinas de capacitação e ao oferecer a eles os instrumentos necessários para praticarem o que aprenderam. Munidos de câmeras e microfones, cada um coloca no vídeo aquilo que julga mais importante, da melhor maneira possível.

Foram exibidos os curtas-metragens Filhos das Filhas, Dias de Luta, Descaminhos e Algum Dia, que apresentam uma série de assuntos ligados aos interesses dos cidadãos, como saúde, educação, infra-estrutura, oferecendo uma nova visão sobre comunidades que muitas vezes são discriminadas pela mídia, como se fosse marginais, como disse ao Contexto Repórter B o coordenador pedagógico do Projeto Mídia Jovem, Pedro Souza.

“Eles retratam a realidade das suas comunidades, como a preocupação com a saúde, o uso das  drogas e outras coisas que vêm tirando o cidadão da sociedade. Infelizmente a sociedade e a mídia rotulam esses jovens como marginais, e a gente discute com eles esse conceito de marginalização, que se refere àqueles que estão à margem da algo. Esses vídeos vêm transformando de fato a vida desses educandos e de todos que os rodeiam”, disse.

Algum dia

Esse esforço é perceptível em um dos vídeos da mostra, chamado Algum Dia. O documentário cruza três focos que se entrelaçam. O primeiro é mostrado logo no início, com a visão a partir do alto de um morro, de onde é possível avistar grande parte do bairro Coqueiral, um dos mais carentes de Aracaju. No entanto, a tomada do alto faz com que o bairro seja visto de uma forma diferente, demonstrada na surpresa de jovens ao verem seu bairro como um cenário bonito. O segundo vem logo em seguida, quando uma mulher aparece com uma criança no colo e outra mais velha ao seu lado, e inicia uma longa caminhada até o terceiro e mais importante foco da narrativa, a busca (ou jornada) por um atendimento público de saúde.

O vídeo aborda desde a falta de assistência, de médicos e medicamentos até as explicações dadas por alguns representantes da Rede de Atenção Básica de Sergipe e da Secretaria Municipal de Saúde. Estes, quando não fazem um discurso em volta do "cenário elencado pela necessidade de cada paciente", dão explicações cheias de "gerundismos" à la "estamos providenciando" e de projeções sempre no futuro. Apesar dos pesares, o filme deixa claro que nem por isso o bairro se torna de todo triste, ponto de vista reforçado novamente, no final, por belas imagens feitas de cima do morro. O vídeo mostra que é possível tratar uma realidade sofrida de forma emocionante.

Em uma conversa informal, um dos idealizadores e produtores do vídeo Algum Dia, Daniel Corrêa (que também reside no bairro que é alvo do documentário) deixa evidente a importância de projetos como esse, tanto para o incentivo a meios de capacitação profissional quanto para a própria realização pessoal. Daniel não pensa concretamente o que isso pode lhe trazer de benefício no futuro. A importância, para ele, é a satisfação que sente ao produzir um trabalho como esse. Será que algum cineasta, por mais experiente que fosse, conseguiria abordar o mesmo tema sendo tão sincero e realista como quem vive na situação em questão?

Estímulo para levar adiante

A inclusão dos curtas na programação do Sercine valoriza o trabalho desses “jovens talentos” e permite que, ao se reconhecerem no vídeo, eles se sintam estimulados a produzir mais, e passam a se dedicar com um olhar diferente, sempre buscando a perfeição nas produções, como observou Paloma Santana, de 15 anos. “É bem bacana ver vídeos feitos por adolescentes como eu. Eles são muito bem feitos. É tudo bem profissional. Já me imagino fazendo o meu. Quero que sejam tão perfeitos quantos esses que vi aqui”, comentou, empolgada.

Outra educanda que se mostrou feliz com as exibições dos vídeos foi Yasmim Menezes, de 18 anos, moradora do bairro Coqueiral e uma das produtoras dos vídeos Algum Dia e Descaminhos. Ela disse que aprendeu muito com o Mídia Jovem e que quer levar adiante o aprendizado recebido. “Eu não quero apenas fazer parte da oficina, ganhar certificado e deixar lá largado. Eu quero usar esse certificado para divulgar as informações que eu recebi”, assegurou.

Além das oficinas de vídeo, que foram divididas em várias etapas - da produção dos documentários até a fase de acabamento -, os jovens do projeto também participaram de oficinas de rádio, fotografia, mídia impressa e web. Segundo o coordenador Pedro Souza, que acompanhou bem de perto o trabalho dos educandos do Mídia Jovem desde a primeira oficina,“a exibição dos curtas proporciona uma visão sobre o futuro do audiovisual na vida de cada um desses jovens. Apesar de serem pessoas de periferias, eles dão valor à sua situação de pertencimento, e a gente tem procurado estimular que eles sejam críticos construtivos”, disse. Nas oficinas, eles também são estimulados a produzir conteúdo relevante para a transformação social do bairro onde moram, a reavaliar o olhar sobre a comunidade em que vivem, e a identificar as potencialidades e deficiências da região, como revelaram os curtas exibidos no Sercine.

O sonho de muitos dos educandos do Mídia Jovem é entrar para uma universidade da área. Aproveitando o incentivo e a vontade, não será com tanto esforço que eles passarão da Mostra Mídia Jovem para a Mostra Universitária. A primeira edição Sercine cumpriu bem esse  papel e surpreendeu a muitos. Resta agora a expectativa sobre o que virá no próximo ano.


Sonhando com o próximo Sercine

Nem todos os jovens sergipanos interessados em cinema têm a sorte dos educandos do Mídia Jovem. Um exemplo é o de Aline Oliveira, de 20 anos, residente na cidade de Itabaiana e pré-vestibulanda que se prepara para entrar no curso de Audiovisual da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Ela já produziu alguns curtas com seu próprio material, como O Vento que Gira, que conta a história de uma criança moradora do sertão que sonha com a vida na cidade grande. Ela revela que há muitas dificuldades nesse meio, principalmente no caso dela, que dispõe de poucos equipamentos e que não são de alta qualidade. 
A jovem só ficou sabendo do Sercine quando o Festival já estava acontecendo, e não teve condições de participar. Mas este ano ela fará vestibular e está muito esperançosa com a possibilidade de sua aprovação. “Se Deus permitir, no que vem estarei entrando na UFS, como aluna de Audiovisual, e assim, poderei realizar um sonho antigo”, anima-se Aline Oliveira (por Cleanderson Santana).



De volta ao cinejornal
Oficina leva noções de cobertura audiovisual de eventos

Por Diogo Barros

No início do século XX, quando ainda não havia televisão, o cinema era o único espaço para  experiências com imagens em movimento. E entre as várias que foram sendo feitas ao longo de décadas, uma delas aliou técnicas cinematográficas como o close, o travelling, a fusão e a câmera lenta com técnicas de cobertura jornalística. Nascia assim o cinejornal. Exibido sempre antes dos longas-metragens, levou grandes reportagens às telas dos cinemas brasileiros por mais de 70 anos, e teve seu auge a partir da década de 1950, com o Canal 100, de Carlos Niemayer, que sobreviveu por mais de três décadas.

Mesmo sem ter vivido essa época, o coordenador gráfico da Kinoarte - Instituto de Cinema e Vídeo, de Londrina (Paraná), Felipe Augusto, tem despertado o interesse de jovens para esse tipo de produção audiovisual. As primeiras experiências que realizou foram na cobertura da  Mostra Londrina de Cinema e na da Mostra Marília de Cinema. Agora, acrescentou à sua bagagem a cobertura do 1° Festival Universitário de Sergipe (Sercine), feita pelos jovens que participaram da oficina que ofereceu na véspera do evento.
  Foto de Diogo Barros
No primeiro dia da oficina do Sercine em parceria com o Instituto Recriando, o designer abriu uma discussão sobre cinejornalismo e, a partir dos tópicos levantados, procurou esclarecer como exatamente seria este formato de audiovisual. Depois explicou como aconteceria o projeto de registrar os acontecimentos dos dias do Festival. “Como estamos produzindo para um publico em sua maioria de estudantes de cinema, estabeleci que os vídeos deveriam estar bem trabalhados com técnicas cinematográficas. Assim realizo uma oficina extremamente prática, em que os alunos participam de um ambiente dinâmico de produção audiovisual, sob um tempo de entrega típico do jornalismo”, explicou Felipe Augusto.

Atualidade e memória

Cativar um público certamente é um dos objetivos de quem promove um festival. E entre estudiosos e apaixonados por cinema é consenso que todos desejam ter suas ideias expostas e suas opiniões ouvidas. Pois esse foi um dos méritos da oficina de cinejornal. O tempo inteiro do Sercine era possível ver alunos realizando filmagens, entrevistando pessoas, captando o momento. Na telona, pessoas da plateia se viam expressando-se para uma sala cheia. Os participantes do Festival foram envolvidos pelo sentimento de estarem fazendo parte de algo.

Mas, ao mesmo tempo em que registra os acontecimentos da atualidade, o cinejornal também adquire o valor de memória. “Quando buscamos financiamento para nossos eventos, fica muito mais fácil explicar como será o festival mostrando através de vídeos como foi o anterior. Temos registros audiovisuais para mostrar, não ficamos somente nas descrições dos textos”, observa o coordenador da Kinoarte.

Integrando o grupo dos produtores dos cinejornais do Sercine, Daniel Correia, estudante apaixonado por cinema, contou como estava sendo gratificante a experiência. “A gente aprende muito com a oficina. Manusear a câmera, técnicas de filmagem, técnicas de jornalismo. Tive uma excelente noção do que é uma produção audiovisual. Minha única crítica negativa é que você tem que chegar cedo, mal se alimenta e sai muito tarde. É muito trabalho, mas de certeza o sacrifício vale a pena!”

Se entre os vários jovens que foram prestigiar o 1° Festival de Cinema Universitário de Sergipe houvesse alguém que acompanhou a década de 1970 e as coberturas feitas por Carlos Niemayer – em especial as da Copa do Mundo de Futebol sediada pelo México -, certamente não ficaria impressionado com as possibilidades do cinejornal. As produções do Canal 100 nas coberturas de futebol foram aclamadas por muitos como verdadeiras obras de arte. Resta saber como essa ferramenta será reapropriada na era digital.


Breve história do cinejornal
  • 1908 – O primeiro cinejornal registrado no mundo foi o periódico Pathé Jounal, exibido em Paris 
  • 1912 – Uma versão do Pathé Journal chegou ao Brasil.
  • 1912-1930 – Surgiram inúmeros cinejornais no Brasil. Entre as principais produções da década vale citar: Carnaval do Rio em 1913, de Alberto e Paulino Botelho; A Formidável Ressaca da Semana Passada e a Visita do Rei Alberto da Bélgica, ambos de Igino Bonfioli (1920); Paulistas Versus Cariocas (sobre a rivalidade no futebol) dirigido por Paulino Botelho (1925); A Grande Parada Militar do Centenário, de Alberto Botelho (1922); e cobertura de eventos políticos envolvendo as principais figuras da Velha República, como Washington Luis e Melo Viana (dirigidos por Igino Bonfioli, 1926)
  • 1938 – Foi criado o cinejornal Brasileiro, o primeiro a representar oficialmente o governo.
  • 1930-1961 – Durante todo o governo de Getúlio Vargas e no de Jucelino Kubitschek, o cinejornal foi amplamente utilizado e incentivado para fins de propaganda oficial. Entre as imagens mais famosas da época estão os registros da instalação da indústria automobilística no país e a construção de Brasília, ambos no governo de JK.
  • 1959 – O cinejornal Canal 100, de Carlos Niemayer, iniciou suas produções.
  • 1961-1964 - O Canal 100 registrou as ações do governo de João Goulart desde suas viagens internacionais até os comícios feitos em defesa das reformas de base.
  • 1964- 1985 – Com o golpe de 64, o Canal 100 mostra-se a favor dos militares e passa a obter incentivos que se estenderão por todo a ditadura no Brasil. Durante essa fase, a maioria das produções concentra-se no futebol, com espetaculares registros dos campeonatos nacionais, as atuações de Pelé no Santos e de Garrincha no Botafogo. Sem falar das copas do mundo de 1962, no Chile, de 1970, no México, e de 1982, na Espanha. Além disso, o Canal 100 exerceu um papel fundamental na forte campanha de incentivo ao ufanismo brasileiro, sob o lema: “Este é um país que vai pra frente”.
  • 1986 - Ano da última produção feita pelo Canal 100. Com o fim dos governos militares e o aumento da popularidade da TV, o cinejornal tornou-se economicamente inviável.