20 de jan. de 2014

Mais Médicos: seis meses de investimentos e resistências

Por Josafá Bonifácio da Silva Neto.

Implantado há pouco mais de seis meses, o Programa Mais Médicos (PMM) totalizou um investimento de aproximadamente R$ 500 milhões no Brasil, até dezembro do ano passado, segundo o Ministério da Saúde. No entanto, o PMM ainda sofre resistência. Usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e profissionais da área médica divergem com relação a funcionalidade desse projeto do Governo Federal.

Hoje cerca de 6.658 médicos estão incorporados ao Programa. Sergipe, por sua vez, recebeu até o momento 77 profissionais, sendo que 69 deles cursaram medicina fora do país. De acordo com Anderson Farias, chefe de gestão do Ministério da Saúde no Estado, 32 municípios sergipanos foram contemplados nas duas primeiras etapas do Mais Médicos.

É o caso de Gararu, a cerca de 160 quilômetros da capital sergipana. O Programa destinou três médicos à cidade banhada pelo Rio São Francisco. Os três profissionais são cubanos e estão realizando os atendimentos na Clínica de Saúde da Família Marieta Rosa da Silva. Roberto Fresneda Garcia, Rodobaldo de los Santos Pedrosa e Yispel Rodriguéz Chavlano são formados pelo Instituto Superior de Ciências Médicas de Villa Clara, em Cuba, e chegaram a Sergipe no último mês de outubro.

Medicina para família
Especialista em medicina geral, Yispel Rodriguéz, 35, exerce a profissão desde 2003. Ela classifica – com um semblante de tensão na hora de pronunciar o português – que o primeiro contato com a população, em Gararu, foi surpreendente. “A população de Gararu é muito acolhedora. Os pacientes muito educados. Eu estou sentindo como em família. Eu agradeço a acolhida desde a minha chegada,” afirma.
Médica cubana Yispel Rodriguéz Chavlano.

Yispel revela também que se incorporou ao Mais Médicos de forma voluntária, por considerar a promoção e a prevenção da saúde como uma premissa da medicina. “E o mais importante: precaver o paciente de enfermidades crônicas e prevenir de doenças para melhorar a qualidade da saúde pública”, explica Rodriguéz.

Sobre as condições de trabalho, Yispel elogia a estrutura física da Clínica de Saúde e das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF) do município, mas reconhece que havia uma carência de profissionais. “Quando eu cheguei, pude olhar que está muito organizado; as equipes da saúde e a organização do trabalho; a ideia de assistir as comunidades. O que faltava e precisava era de nós, de médicos”, diz.

Questionada por nossa reportagem, a secretaria municipal de saúde, Gilzete Dionizia de Matos, confirma que houve uma escassez de médicos para assistir a população da cidade, que é de 11.452 habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estátisticas (IBGE). Segundo a secretaria, o município ficou com apenas um médico para atender a população durante cerca de oito meses, entre março e outubro de 2013, até a chegada dos profissionais de Cuba.

“Chegou na hora certa. Os médicos estão dando uma resposta positiva à comunidade que mora tanto na zona urbana como na rural. Ficamos um período com um único médico, mas temos quatro equipes de saúde. Agora, elas estão completas. Os cubanos trabalham com uma medicina disciplinada e educacional”, esclarece Gilzete.

Posições sobre o atendimento
Agente de saúde em Gararu há 15 anos, José Almir Tavares de Sá, 33, atua no povoado São Matheus e assegura que o acesso da população ao serviço foi facilitado. "O cubano Roberto Fresneda atende aqui. Estávamos com uma deficiência muito grande desses profissionais. Ficamos um ano sem atendimento médico no posto de saúde. E na hora de dominar o português, um ajuda ao outro," diz o servidor, informando também que o número de consultas no povoado dobrou de 30 para 60 durante o último mês.

Gelvacy Melo Nascimento, 49, funcionária pública, aprova o serviço. “Fui atendida duas vezes aqui em Gararu. Senti uma dificuldade pra entender a fala, mas a médica falou com calma. Graças a Deus me recuperei dos problemas”, conta a moradora da cidade.

Por outro lado, o auxiliar de pedreiro José Wilson Tavares, 35, esboçou um olhar de desconfiança quando perguntado, na entrada da Clínica de Saúde, sobre o atendimento. “Não posso falar que confio, porque não é verdade. Prefiro ser atendido em outra cidade mesmo.”

Ainda no Sertão
Porto da Folha, ainda na região do Sertão do São Francisco, fica a menos de 30 quilômetros de Gararu e tem uma população de 28.237 habitantes. O município possui uma Unidade de Pronto Atendimento Regional (UPA), que atende a comunidades limítrofes, a exemplo de Gararu.

Segundo o diretor geral da UPA de Porto da Folha, José Caio Feitosa Filho, o fluxo de atendimentos a pacientes oriundos da cidade vizinha diminuiu consideravelmente nos últimos três meses. “Contabilizamos uma redução de mais de 250 atendimentos de baixa complexidade de lá pra cá na nossa unidade de saúde. Casos de solicitação de exames e consultas de rotina diminuíram”, informa José Caio.

Mesmo sendo classificada pelo IBGE como uma área de vulnerabilidade social, Porto da Folha, por enquanto, não está participando do Mais Médicos e não se inscreveu para a terceira etapa, que está em andamento e será concluída até o final de março.

O prefeito do município, Albino Tavares de Almeida Neto (PSD), é médico e avalia que o Programa fere a ética profissional. O gestor foi questionado sobre a diminuição de atendimentos na UPA da cidade e os benefícios do Mais Médicos, mas se mostra contrário à adesão. “Eu, antes de administrador da municipalidade, sou médico. É claro que conheço a realidade na nossa saúde, mas não podemos comprometê-la contratando médicos de fora só por contratar. A resposta tem que ser dada de outra forma, como ampliar a estrutura que já existe. É isso o que precisamos”, esclarece o prefeito.

Sergipana no Mais Médicos
Ana Gabriela de Santana Góis é sergipana e se formou pela Universidade Federal do Tocantins no começo de 2013. Instigada pelo Mais Médicos, ela retornou ao Estado de origem através do projeto e está atuando na Unidade de Saúde da Família Maria José Figueroa, no conjunto Eduardo Gomes, em São Cristovão. Segundo a médica, uma conciliação pesou na opção em voltar a Sergipe. “Estou conseguindo conciliar o trabalho aqui no posto de segunda a quinta-feira sem deixar de estar próximo a minha família, que reside em Aracaju,” ressalta Ana Gabriela.

Com relação à posição do Conselho Regional de Medicina do Estado de Sergipe (Cremese) e de profissionais da área, a médica sergipana lamenta as críticas e defende que haja uma unidade entre poder público, entidades de classe e sociedade para apaziguar os problemas que o serviço público de saúde enfrenta, não só em Sergipe. “Eu esperava o apoio e a união da categoria em torno do Mais Médicos. A acessibilidade das comunidades ao SUS é que está em jogo nessa história,” enfatiza a médica.

Conselho e estudantes
A presidente do Cremese, Rosa Amélia Andrade Dantas, ratificou a posição contrária da entidade a iniciativa do Governo Federal. “Trazer médicos estrangeiros é criar testemunhas do crime contra a nação. Isso não cobrirá o buraco da ineficiência do governo, não melhorará os hospitais universitários, não ampliará a residência médica, não trará mais macas, cadeiras de rodas, lençóis, saneamento básico, remédios, ataduras, soros e nem gases medicinais,” afirma Amélia.

Na Universidade Federal de Sergipe (UFS), estudantes do curso de Medicina divergem com relação à funcionalidade do Programa. “Estão vindo médicos de fora que desconhecem as doenças endêmicas do país. A população corre o risco de receber atendimento inadequado”, assegura Rafael Cardoso, 26, aluno do oitavo período de medicina na UFS.

Já para Maria Clara Barbosa, 22, graduanda do segundo período do curso na mesma universidade, “o programa é uma ação paliativa do Ministério [da Saúde], mas um médico é capaz de resolver alguns problemas. Por isso, sou favorável à implantação”, explica a estudante.


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