17 de set. de 2013

O Pau-de-Arara da Cultura

Por Baruc Carvalho Martins
Geise Cruz de Souza

Sobre o sol do meio-dia, uma pequena multidão se aglomera entorno de uma simples barraca no centro da cidade. Um homem, José Augusto, 46, recorta e descasca o coco sob os olhares de admiração dos clientes e, logo em seguida, emenda com um sorriso faceiro: “canudinho especial pra você”. A poucos passos dali está o Museu Olímpio Campos, principal referência da cultura sergipana. José Augusto diz que nunca foi ao museu e “não sabe nem como é lá dentro”. Há dois anos ele trabalha na praça Fausto Cardoso vendendo água-de-coco e, mesmo com tanta proximidade, o museu nunca lhe foi acessível.
O vendedor José Augusto, 46, enquanto atende aos clientes.
A história de José Augusto se confunde com a de milhares de aracajuanos que não desfrutam sequer da cultura que está, em tese, a sua disposição. E se já é difícil encontrar espaços para consumir cultura, produzir é algo para poucos apaixonados pela arte.  É nesse sentido que Dézio Aragão, 32, integrante da banda Naurêa  – uma das mais tradicionais do cenário alternativo sergipano –, ressalta que não é possível viver só de música. Segundo ele, a maioria dos componentes do grupo, por exemplo, tem outra ocupação. Além de, como forma de preservar a banda, todo o cachê ser reinvestido nos projetos da Naurêa. “Isto fez com que gerasse capital de giro e se arriscasse mais”, argumenta.
As complicações para a produção não se restringem somente a editais, mas a formação de um público e o desenvolvimento de uma consciência política que entenda as dinâmicas da arte no mundo contemporâneo.  É como conta Wendel Salvador, 23, membro do Coletivo Composições Críticas e estudante de Artes Visuais da Universidade Federal de Sergipe (UFS): “Não tem mercado de arte e público dedicado”. Falta ainda, segundo ele, espaços adequados para a produção de artes como laboratórios, ateliês e incentivo público através de editais que contemplem essas novas formas de se fazer  arte. Wendel ressalta que existem muito poucos editais em Sergipe para esse nicho, assim como no país todo, mas, os poucos que tem reduzem a criatividade do artista a uma forma inerte e cristalizada.  “O foco (desses editais) é pra pintura, escultura, muito dentro do padrão porque nem todo artista trabalha com exposição”, pondera.
Aglaé Fontes, vice-presidente da Funcaju.
O município de Aracaju, através da Fundação da Cultura de Aracaju (Funcaju), tem desenvolvido ações e projetos ao longo dos anos para fomentar a formação do público e qualificar o mercado, mas, ainda assim está longe de ser o ideal. Aglaé Fontes, vice-presidente da fundação, afirma que o crucial agora é desenvolver o Plano Municipal de Cultura para, a partir daí, e em conformidade com parâmetros do Ministério da Cultura (Minc), desenvolver uma série de ações com transparência e participação efetiva da sociedade. 
Em comparação com Recife, principal cidade brasileira em investimentos para o setor da cultura segundo estudo feito em 2007 pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Aracaju está bastante defasada. Enquanto na capital pernambucana já há um sistema integrado de cultura, o investimento na Receita Corrente Líquida (RCL) foi de 3,47%. Em nossa capital essa previsão sequer existe dada às limitações estruturais advindas da falta de um sistema municipal de cultura. 
Fonte: relatório "Cultura em Números"
realizado pelo Minc entre 2007 e 2008.
Uma das formas, por isso, mais consolidadas de se afirmar políticas públicas para a área é através do Fundo Municipal de Cultura. Conforme levantamento de 2010 da CNM, dos 3423 municípios que responderam à pesquisa, mais de 60% do total de cidades, apenas 22,5% indicaram que possuem o fundo constituído. Aracaju, no entanto, faz parte dos mais de 70% que ainda não tem. Ou, no caso específico de nossa capital, está inativo. Para Paulo Victor Melo, 27, membro do Coletivo Intervozes e mestrando em Comunicação Social pela UFS, o fundo, junto com outras garantias democráticas e de transparência, viria para direcionar, de fato, as políticas públicas para o setor acabando com as relações paternalistas e que se configuram, em última instância, em troca eleitoral com, mesmo em editais públicos, apenas alguns grupos se beneficiando.
Aglaé Fontes ressalta que a prefeitura está munindo esforços para cumprir com todo o processo para formar o Plano Municipal de Cultura e constituir o quanto antes o Conselho Municipal de Cultura com participação paritária da sociedade civil. Essa ação, conforme ela, trará um direcionamento dos recursos com maior equidade para a área trazendo lisura e reforçando aspectos democráticos com a representação dos diferentes segmentos culturais.

Ainda nesse sentido, segundo Janaína Couvo, assessora de Aglaé Fontes e ex-consultora pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), no ano passado, em 2012, houve uma consultoria paga pelo ministério da cultura que ela executou nos municípios de Laranjeiras e Aracaju com o objetivo de formar os Planos Municipais de Cultura e, com isso, estruturar os sistemas municipais de cultura. Porém, dado ao atraso de Aracaju e em período de eleições municipais, apenas Laranjeiras que já possui Conselho Municipal de Cultura conseguiu constituir o plano. De lá para cá, e com a entrada da nova gestão, os diagnósticos e levantamentos prosseguem, assim como a busca de novos espaços para a consulta pública como a Conferência Municipal de Cultura, com o intuito de concretizar não só o plano mas também todo o sistema municipal de cultura.
Fonte: relatório "Cultura em Números"
realizado pelo Minc entre 2007 e 2008.
As políticas públicas, nesse contexto, ficaram restritas entre a produção, circulação e distribuição dos bens culturais. A arte, por isso, passou a ser tratada como maquinário desse jogo de mercado e pensada para obedecer a lei da oferta e da procura. O que prejudicou até mesmo espaços já consagrados por sua atuação no desenvolvimento da cultura local. Segundo Lindemberg Monteiro, coordenador artístico e de comunicação da Casa Rua da Cultura, é necessário criar na população e nas autoridades a consciência da arte não apenas enquanto entretenimento, mas construtora do caráter humano, de conhecimento e crescimento pessoal.
A Casa Rua da Cultura, espaço de formação cultural que oferece anualmente diversos cursos e espetáculos à população aracajuana, foi recentemente premiada pela Fundação Nacional das Artes (Funarte) com o Prêmio Mirian Muniz de Teatro, o mais importante do segmento no país. Apesar disto, a prefeitura não voltou atrás na decisão de rescindir o contrato mantido com a casa encerrando assim a parceria em eventos e oficinas de teatro. A Funcaju, devido ao curto período da nova administração, decidiu não se manifestar sobre o assunto.
Nesse meio, por isso, evidencia-se que fazer cultura não é só produção. Há um importante espaço para formação que precisa ser incentivado tanto para a qualificação de profissionais quanto para o público. Para Lindemberg, um trabalho conjunto entre a grande mídia e os setores públicos e privados é imprescindível na construção de uma nova realidade cultural no estado. “É necessário que deixemos de ter uma visão mercadológica sobre cultura para que as pessoas realmente entendam seu valor social.”
A cultura, portanto, precisa ser pensada e discutida para se auto-sustentar com os diferentes segmentos culturais, sejam eles mais comerciais ou alternativos, para plenamente atender aos anseios tanto do público quanto do artista. Novas formas de financiamento precisam ser tentadas para tencionar o bloqueio econômico imposto pela indústria cultural – como a campanha que foi usada pela banda Naurêa para financiar a ida dos músicos a Londres para representar Sergipe durante os shows nas Olimpíadas –, mas sem perder de vista, e principalmente, a responsabilidade do governo em assegurar a plenitude do direito à cultura. E novas formas de consumo, assim como novos espaços e novas formas de arte, precisam ser incentivadas através de ações concretas do Estado para que outros Josés Augustos não percam por tão pouco a oportunidade de conhecer mais de si mesmo.

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