6 de jun. de 2011

Do papelão ao aço

Ruy Andrade, o artista plástico que transita entre diferentes materiais

Por Roseli Nunes

Tarde de um domingo ensolarado. Não imaginei que de última hora, o artista plástico Ruy Andrade aceitasse marcar uma entrevista comigo. Mas sim. Através de um primeiro contato no dia anterior por e-mail, ele mostrou-se solicito e sem meias palavras agendou a entrevista que, de antemão, o próprio intitulou de “bate-papo”.

Pontualmente as 17h30, fui ao encontro de Andrade que, vestindo bermuda e camisa com o dizer “Infinito Amor de Pai”, trazia no semblante a confirmação da idéia de solicitude que já havia sido demonstrada através de sua resposta ao e-mail. Ao visualizá-lo pensei nas perguntas que iria fazer. Questionei-me sobre a definição de “bate-papo” e achei melhor assim fazer. Deixar que o encontro moldasse as perguntas e direcionasse o conteúdo da entrevista.

Apesar de estarmos em um ambiente bastante movimentado, o artista plástico falava com os olhos fitados em mim, como se os acontecimentos ao nosso redor não importassem naquele momento. Com uma pasta nas mãos, Ruy Andrade começa a mostrar fotos de esculturas suas. Algumas colocadas bastante visíveis em pontos de Aracaju, e então percebo que nunca havia parado para procurar saber quem as havia feito.

De Gandu a Aracaju

O artista plástico Ruy Andrade nasceu no ano de 1956 em Gandu, município que fica no sul da Bahia, próximo a Ilhéus, e que tem pouco mais de 40 mil habitantes. Morou lá até os 16 anos, quando resolveu continuar os estudos em Salvador. Na capital baiana trabalhou em diversos segmentos, entre eles uma agência de publicidade, onde, segundo ele, foi o ambiente no qual “tomou gosto” pelos trabalhos que envolviam intensamente a criatividade. Aos 25 anos, entrou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, formando-se com cinco anos depois.

Após se tornar diplomado, permaneceu mais de dez anos em Salvador, onde trabalhou para reconhecidas empresas, até que em 2000 resolveu vir morar em Aracaju. Momento em que chegou a ter sua lucidez questionada, pois estava no auge da carreira como sendo um artista reconhecido e bem conceituado na capital baiana. “Quando eu vim de lá para cá um colega meu falou: ‘Tá maluco? Você já é um artista reconhecido aqui’. Eu respondi dizendo que Aracaju precisa muito mais de meu trabalho”. Ruy, que a mais de dez anos adotou a capital sergipana como lugar para morar, é considerado o idealizador e executor de imponentes formas espalhadas pela cidade.

Despontar de um talento

Na infância, com apenas dez anos de idade, Ruy já demonstrava talento com as artes. Seus colegas de escola costumavam lhe pedir para que fizesse desenhos nos cadernos. Ele geralmente rabiscava signos e escudos de futebol. Época em que seu pai tinha uma pequena fábrica de sapatos, na qual era grande o acumulo de papelão. Esta foi a matéria prima utilizada por ele para montar formas já com aspectos de esculturas. “Era a minha principal diversão. Passava horas entretido com o papelão e as idéias que me vinham na cabeça”.

No entanto, ao sair da Escola de Belas Artes, a escultura não era a preferência de Ruy, que declarava preferir a pintura. De acordo com o artista plástico, o gosto pela escultura aconteceu quando ele já tinha saído da escola de Belas Artes, e se deveu à percepção de que quase não havia oferta no mercado.

O escultor se diz “anticomputador” e garante não utilizá-lo para nada, apesar de reconhecer que é a tendência. No primeiro momento da criação de uma escultura, Ruy a desenha num papel. Em seguida reproduz um protótipo em papelão, como nos tempos de menino. E somente depois, ao encontrar o equilíbrio e a harmonia que procura, realiza a montagem de mais um protótipo, só que em metal. É com esta miniatura, de cerca de 30 centímetros, que ele vai até o futuro comprador. Mas nunca levando apenas um modelo. “Quando me encomendam uma escultura eu levo em geral três peças para que ele escolha”. Somente após a finalização da compra, o artista trabalha com a metalúrgica. O processo, da idealização à criação final, dura cerca de um mês.

Sergipe por Ruy Andrade

As obras de Ruy Andrade são definidas como pertencentes ao neoconcretismo. Movimento artístico que valoriza a criação sem dogmatismos, de maneira mais livre. “Gosto de produzir essas coisas dobradas e que lembram envelopes”. Neste contexto, Andrade diz que o entendimento de suas esculturas varia de acordo com o ponto de vista e a intencionalidade do observador.

Hoje, O artista plástico possui 15 grandes esculturas espalhadas pelo Estado, em obras de dimensões imponentes, recortes de ferros dobrados, e formas que remetem à idéia contemporânea de modernidade. Ruy Andrade também pode ser encontrado através de suas obras de pequeno porte, que ficam em ambientes como entradas de condomínios e de empresas. Mas ele diz preferir fazer obras que todos possam ver.

Apesar do reconhecimento, Andrade diz que ainda há muito terreno para ser conquistado em Sergipe. Ele adverte que Aracaju não possui um único museu dedicado à arte, e que apesar dos esforços pontuais de alguns, as vias públicas permanecem despidas de arte. E segue o “bate-papo” indagando-se sobre a arte num comparativo entre Salvador e Aracaju. “Lá [em Salvador], hoje, talvez não tenha 50 artistas que vivam de seu trabalho. Eu diria que 20. Aqui [em Aracaju] não tem nem cinco”.

Ao se intitular um sonhador, Ruy Andrade vislumbra para a capital sergipana, o desenvolvimento de projetos coletivos que preencham espaços tradicionais do Estado e que em seguida, a idéia possa ser levada também para cidades do interior.

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