6 de jun. de 2011

Educação recebida e devolvida

Como fatos importantes da ditadura, silenciados pelo tempo, ajudaram a formar um acadêmico decisivo para toda uma cidade.

Por Edson Costa

O professor Joilson Romanci Severo Borges aparenta ser muito calmo, plácido e focado na execução de suas atividades: não inspira nenhum modo de conflito; mas sua vida reúne eventos e feitos decisivos nos âmbitos político e educacional no estado da Bahia, e principalmente na cidade de Alagoinhas. Tendo início nos desdobramentos imediatos da ditadura militar, passando pelos embates político-oligárquicos daquele momento, e adentrando na formação da atual educação superior em Alagoinhas, sua trajetória pessoal e profissional são surpreendentemente notáveis.

Joilson Borges (Fonte: Revista Portal da Cidade)

Nascido em Alagoinhas no ano de 1952 completou tenros 12 anos de idade quando se deflagrou o golpe militar de 1964. Mas, o que poucos se lembram, é que sua cidade natal foi palco de acontecimentos importantes a nível nacional. Duas famílias direitistas disputavam e revezavam-se no poder executivo: Os Azi e os Maia. Mas estes últimos não se punham na candidatura, restringiam-se a financiar e apoiar nomes convenientes a si. Murilo Cavalcanti, apoiado por eles, era prefeito de Alagoinhas em ocasião do golpe, e foi o ultimo representante do poder político Maia.
Também em 1964, houve a descoberta do primeiro poço de petróleo na cidade, trazendo no ano seguinte, a visita do próprio presidente da Petrobras, o General João Costa. Na mesma ocasião da visita deste, esteve presente, também, o então presidente Castello Branco, que recebeu o título de Cidadão Alagoinhense, e não hesitou em desafiar inimigos em território de sua mais recente cidadania: “Há quem anuncie a insurreição. Preferimos enfrentá-lo do que contorná-la. Não reconhecemos nenhuma força autônoma nos meios militares do País. Se existe, que procure medir suas dimensões e passe da conspirata dilatória para ação aberta”.

A presença e veemência de Castello Branco fazem muito sentido ao lembrar-se do peso do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no poder legislativo, do seu grande número de filiados e intelectuais locais: proporcionalmente, um dos maiores do Brasil. Em igual medida, o sindicato dos ferroviários, com greves anteriores muito famosas, e dentro de um dos principais centros da malha ferroviária de todo Norte-Nordeste que era Alagoinhas.

Mas e o personagem principal em tudo isso? Bem, até o momento, sua pouca idade e formação não permitiram grandes feitos, mas mesmo assim pôde ter uma perspectiva próxima e surpreendentemente esclarecida dos fatos. Seu pai era funcionário público, fiscal de tributos, permitindo-lhe conhecer pessoalmente o então prefeito Murilo Cavalcanti, assim como os maiores nomes da família Azi. Quando as mudanças políticas começaram, o professor Joilson se deu conta do desaparecimento e morte de vereadores comunistas, e também de ferroviários sindicalistas. Diga-se de passagem, ele fala com nostalgia que, de modo geral, a população alagoinhense tinha um pensamento intelectualmente sofisticado, e debatia abertamente o socialismo.

Outro fato marcante para a cidade, que também foi visto de perto pelo professor Joilson, foi a consolidação de sua educação. O Ginásio de Alagoinhas (escola de Ensino Fundamental II) não era público, mas sim por cooperativa: era freqüentado por Joilson Borges e todos os estudantes de classe média da região. O Colégio Navarro de Britto (na época, com Ensino Médio mesclado ao técnico) era o segundo maior do estado da Bahia, perdendo somente para o Colégio Central, situado na capital. O professor Joilson diz crer que tal empreendimento do governo continua a parecer ousado mesmo com uma visão atual: por educação com nível de capital no interior. Para ele, este fato foi marcante para formar grêmios e movimentos estudantis tão conscientes e engajados como eram os de Alagoinhas, a ponto de sofrer repressão direta de Brasília. Muitos de seus amigos, líderes estudantis, foram presos. E, curiosamente, ele também pôde conhecer o patrono de sua escola numa cerimônia oficial em que foi com seu pai.

Formado no então “segundo grau”, e técnico em desenho arquitetônico, o professor Joilson passou a dar aulas no próprio colégio Navarro de Britto, onde ficou trabalhando por mais 27 anos. Antes mesmo de ingressar na faculdade, fez dois cursos de curta duração na Secretaria de Educação e Cultura da Bahia. E, seguindo na área do desenho e magistério, ingressou em 1976 no curso de Licenciatura em Desenho e Plástica, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), formando-se em 1981. Vê-se que sua educação média e superior deu-se da década de 1970: auge do poder político militar; e a UFBA era conhecida pela ideologização e politização de seus alunos. Porém, a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), teria sofrido diretamente com o poderio da direita comandada por Antônio Carlos Magalhães, impedindo que seus alunos adquirissem o mesmo perfil. Mas, desafiadoramente, é nessa universidade que o professor Joilson inicia a sua carreira acadêmica.

Ele ensina em disciplinas dos cursos de Biologia e Matemática e, com poucos anos de experiência, tornou-se chefe do departamento de Ciências Exatas e da Terra. Entre os anos de 1986 e 1987 especializou-se em Conteúdos e Métodos de Ensino, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A UNEB é a maior universidade da Bahia, tendo, hoje, mais de 30 campi; o campus I fica na capital, e logo em seguida vem Alagoinhas com o campus II. O professor Joilson, agora no cargo de diretor do campus, viu o curso de Licenciatura em História mudar, paulatinamente, a imagem da UNEB de instituição que transmite educação apolítica. Lutou contra a divisão interna entre professores alagoinhenses e soteropolitanos, que só prejudicava aos alunos. Também pôde executar a plenificação dos cursos da UNEB, campus II, no ano de 1986. E em 1988, teve, segundo ele, o prazer de fazer acontecer o primeiro concurso para funcionários da universidade, sob os crivos da nova constituição.

Já nos anos 2000, tendo saído do Colégio Navarro de Britto, o professor Joilson Borges dá mais um passo em sua carreira que, como de costume, foi mais um passo decisivo para o cenário educacional e político de Alagoinhas. A Faculdade Santíssimo Sacramento (F.SS.S), primeira instituição de ensino superior privada da cidade, fundada em 2002, convida-o para ser o seu diretor acadêmico, cargo que ele ocupa até hoje. Pouco depois de assumir a nova função, em 2003, cursou Consultoria de Assuntos Acadêmicos, pela CONSAE/EDITAU. Atualmente, a F.SS.S. possui o maior número de cursos de pós graduação na cidade de Alagoinhas, e é a mais importante faculdade privada, atendendo município e região. Aliás, ampla região. Alagoinhas já possuia um comércio famoso, atraindo pessoas do recôncavo baiano, do sertão, e até da região metropolitana de Salvador; agora, com seu campus da UNEB, e com outras três faculdades privadas, além da F.SS.S, tem se tornado um polo estudantil importante na Bahia.

A vida do professor Joilson Romanci Severo Borges não foi de efetiva militância por uma frente ideológica, e nem de disputas político-partidárias. Mas a sua proximidade aos fatos, desde criança, permitiu-lhe esclarecimento e posicionamento. Na área da educação, aí sim, a sua luta é visível e exuberante. Sem levantar bandeiras vermelhas ou azuis, ele enfrentou o despotismo de conchavos políticos de sua época em prol de direitos básicos inerentes a uma educação superior de qualidade. Pôde ver, sob a ótica de um dirigente consciente, as principais mudanças políticas nacionais, ocorridas na década de 1980, refletirem na maior Universidade pública da Bahia. Foi e é um dos principais nomes da educação superior de Alagoinhas: onde sindicalistas, comunistas e líderes estudantis foram mortos; de onde jorrou petróleo e Castello Branco tornou-se cidadão; e de onde o filho de um funcionário público, sempre presente entre políticos e patronos, saiu para estudar, e retornou para lutar por uma educação qualificada, politizada, e, quem sabe, mais uma vez “intelectualmente sofisticada”.

Praça J.J. Seabra, Centro de Alagoinhas (Foto: Joilson Borges)

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