Tradicional quadrilha junina completa 31 anos e atravessa fronteiras de Sergipe
Por Cláudia Oliveira
O casamento da Lua com o Sol é o tema deste ano da quadrilha 'Unidos em Asa Branca'. Para descrever as três décadas de história e contar um pouco sobre o amor em ser quadrilheiro, José Gilton, presidente da quadrilha, concedeu esta entrevista.
Repórter B - Conte um pouco da história da Asa Branca. Como tudo começou?
José Gilton – O grupo foi fundado em 1980, por meio da união de um grupo de jovens do conjunto residencial Leite Neto, aqui em Aracaju, mas só obteve seu registro em cartório em 09 de maio de 1986, até esta data a quadrilha teve vários nomes a exemplo de 'Êta Chêro Bom'. O objetivo do grupo era e ainda é integrar os jovens daquela comunidade. Na época realizávamos as apresentações durante o mês de junho nas ruas dos próprios componentes, realidade que permaneceu por mais cinco anos.
RB - Qual a receita do sucesso da Unidos?
JG - A quadrilha foi se fortalecendo com a ajuda de outros grupos e logo ganhou reconhecimento dos sergipanos e espaço nos festejos juninos do Estado. Daí em diante a Unidos em Asa Branca já fazia apresentações interestaduais, participando inclusive de concursos regionais, onde somente uma quadrilha de cada Estado concorre ao prêmio. Por isso não tardou para que o grupo ganhasse destaque nacional. Participamos do programa Hebe, em 1996 e considerada a representante sergipana mais importante em competição de quadrilhas juninas do país, durante o Campeonato da Rede Globo Nordeste, realizado em 2005.
RB - Qual o diferencial da Asa Branca?
JG - O motivo da Unidos ter público cativo e credibilidade no que faz é a marca da inovação na dança, que foi registrada ao longo das apresentações e traz todos os anos novidades e surpresa para quem assiste. Um exemplo foi o caracol humano, formado pelos integrantes do grupo, durante o Concurso Rede Globo Nordeste de 2009, que consagrou a quadrilha como campeã. Na ocasião, o tema ‘Mistura de Raça e Cor’ encheu os olhos do público de fascínio ao presenciar um casamento cantado, em estilo colonial com homens e mulheres vestidos a caráter, que encenavam a paixão proibida entre um senhor de engenho e uma mucama.
RB - Já que a Asa Branca é marcada pela inovação e diferenciação de outras quadrilhas. Como a quadrilha lida com esta pressão para agradar o público e surpreendê-lo?
JG – É um orgulho a expectativa que a Unidos cria entre os espectadores de concursos e eventos onde se apresenta, tanto no Estado natal como em outros pontos do Nordeste. Isso é muito bom. Sabemos que temos público fiel, mas também tem o lado da cobrança, sentimos a obrigação de inovar e fazer bonito a cada ano.
RB – Qual o motivo do nome Asa Branca?
JG - O nome do grupo foi escolhido com base na representatividade das asas do pássaro Asa Branca, que é símbolo do sertão e consagra toda a tradição nordestina.
RB - Vocês já têm o reconhecimento nacional. Quais as outras localidades que a quadrilha já se apresentou?
JG - Os títulos são inúmeros, entre locais e regionais. A Asa Branca já se apresentou em São Paulo, Rio de Janeiro, em todo o Nordeste e em Brasília, onde a quadrilha foi convidada para uma Feira Nacional de Cultura.
RB – O grupo se dedica mais para uma competição ou o empenho é sempre o mesmo para todas?
JG - O grupo se prepara mais para o Concurso Levanta Poeira, organizado pela afiliada TV Globo em Sergipe e que serve como eliminatória para o Concurso Rede Globo Nordeste, considerado o de maior importância para os quadrilheiros. Ano passado a Asa Branca ficou com o segundo lugar e não participou do regional, mas este ano vamos tentar comemorar o aniversário da quadrilha com o bicampeonato.
RB - A quadrilha modificou o seu estilo durante os anos? Em algum tempo foi do tipo ‘tradicional’, que retrata o matuto bem caracterizado, como dente sujo de preto, chapéu de palha?
JG - Apesar da quadrilha representar uma dança que é mantida pela tradição em formato, passos e estilo musical, hoje existem quadrilhas estilizadas que se apresentam como uma nova forma de expressão junina. Em alguns Estados do Nordeste as quadrilhas se apresentação com cenários, músicas mixadas e até sem a presença do tradicional trio pé de serra, preferem utilizar CD gravado e editado em estúdio. Poucas resistem a presença de personagens, conhecidos popularmente como o cangaceiro Lampião e Maria Bonita. No caso da Unidos em Asa Branca o formato é uma mistura entre o tradicional e o moderno. Nossas vestimentas são luxuosas, mas mantém personagens característicos da quadrilha. O cenário é utilizado, mas mantém o trio nordestino com a inserção de percussão para marcar o compasso dos quadrilheiros. O grupo está sempre em mudança para não ficar desatualizado frente às quadrilhas de outros locais. Por isso, existe uma Comissão que pensa os temas a partir de pesquisa, através de vídeos de dança e filmes, que representem uma história que possa ser adaptada para a dança. Toda a pesquisa para o tema é depois vinculada às vestimentas e música.
RB - Como se escolhe a música? Quais os instrumentos utilizados, algo diferente de triângulo, sabumba e sanfona?
JG - O vice-presidente da Unidos em Asa Branca, Manoel Claudionor, é o responsável pela trilha sonora que embala a dança dos quadrilheiros. Cerca de 90% das músicas já apresentadas são de sua autoria. Manoel ainda realiza atividades como coreógrafo e cantor e é auxiliado por uma cantora.
RB - Quem confecciona as roupas? E os custos?
JG - As vestimentas contam com a arte de Jeane, que apesar de atualmente morar no Estado do Tocantins não deixou desenhar as fantasias para o grupo. São cerca de dois meses a partir do recebimento do croqui até a confecção das roupas, que são feitas por costureiras terceirizadas. As fantasias são custeadas por eles mesmos, sendo que cada um pode solicitar patrocínio individual, utilizando o nome da quadrilha.
RB - Quando os ensaios começam? Quantos membros estão atualmente na quadrilha?
JG - São 72 quadrilheiros que ensaiam de janeiro a agosto e realizam apresentações durante todo o ano, mas fora do período junino estas apresentações são esporádicas. Embora os integrantes tenham quatro meses de ‘férias’ o grupo não para. Em agosto começam as oficinas ministradas para quem não sabe a dança, quer aprender e se tornar parte do grupo. O objetivo das oficinas são para divertir e ensinar a dança para qualquer pessoa, mas que também servem para inserir novos quadrilheiros, que se destacam durante as oficinas.
RB - Alguns casais foram formados ao longo dos anos de Asa Branca? E filhos destes quadrilheiros integram a quadrilha?
JG – Não é a toa que caracterizo a minha gestão, nestes dois anos, como democrática que faz um grupo familiar, onde pais, mães, filhos, irmãos e casais dançam juntos. Em alguns casos os casais se conheceram a partir dos encontros semanais para os ensaios. Outra prova foi a entrada, em 2009, de mãe e filho para a quadrilha Unidos em Asa Branca: Yure Andrei Nunes Doria e Mara Nunes Doria. Eles sempre assistiam aos nossos ensaios com admiração e então quiseram dançar também.
RB - Como você classifica o amor pela quadrilha/dança e em ser quadrilheiro?
JG - O amor pela quadrilha é demonstrado por diversas maneiras. Um exemplo é José Eloi Filho, um dos fundadores do grupo e marcador da Asa Branca há 26 anos. Ele tinha apenas 14 anos quando começou a comandar um grupo formado somente por adultos.
RB - Cite algum momento considerado mais especial ou engraçado, que envolveu componentes da quadrilha ou até mesmo durante a apresentação.
JG - Uma história curiosa aconteceu entre 1998 e 1999. Uma ex-quadrilheira ficou doente e fugiu do hospital, onde estava internada, sem receber alta para dançar em um concurso. Sem que os pais soubessem, ela pediu para uma amiga levar sua fantasia para o hospital e em seguida deu-se a fuga. Após a apresentação retornou ao hospital para se recuperar. Outra história que marcou a quadrilha foi ano passado, voltando de uma apresentação em Recife-PE. O ônibus do grupo quebrou no viaduto, localizado na saída da cidade, e até ser removido para o acostamento parou o trânsito por 40 minutos, formando um longo engarrafamento.
RB - Como a quadrilha se mantém durante o ano (antes e depois do mês Junino)?
JG - Para a quadrilha manter os custos durante o ano, após o período junino, é necessário reservar um fundo financeiro que é formado através de patrocínio, apresentações e concursos que premiam em dinheiro. Vale ressaltar que os integrantes do grupo não pagam taxa ou mensalidade para continuar a dançar. O transporte dos componentes é feito por ônibus, mas para isso a quadrilha precisa ter auxilio de patrocínio, pois não possui transporte próprio.
RB – Qual a inovação para este ano?
JG - A inovação da quadrilha vem com a coreografia, que foi baseada na Amazuca – dança e também música do cantor Luís Gonzaga. A dança lembra uma valsa e é caracterizada por resgatar a dança das primeiras quadrilhas brasileiras, que na época dançavam Amazuca.
RB - Existe algum projeto social ou de outro segmento vinculado à quadrilha?
JG - A Unidos em Asa Branca tem um projeto para que o grupo se transforme em uma ONG e pretende ser colocado em prática próximo ano. O objetivo é auxiliar pessoas colocadas a margem da sociedade com atividades lúdicas como a dança e até na integração com o grupo em apresentações pelo país. Na Fundação Renascer [entidade de detenção e recuperação de menores infratores] já é realizado atividade neste fim. Lá a quadrilha ensaia uma vez por semana e os jovens somente assistem aos ensaios, mas o projeto prevê que em 2012 eles possam dançar junto com os quadrilheiros como atividade recreativa, possam aprender a dança - em oficinas - e até fazer parte do grupo. A quadrilha ainda faz apresentações benéficas em instituições, que auxiliam pacientes com câncer (GACC e AMO).
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