5 de out. de 2016

Diferenças não justificam desigualdades de gênero

Por Luara Pereira e Rose Bonifácio

Uma afirmação recente do atual ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP), surpreendeu os defensores da igualdade de gênero: “Eu acredito que é uma questão de hábito. Os homens trabalham mais, são os provedores da maioria das famílias e não acham tempo para a saúde preventiva. Isso precisa ser modificado. Nós queremos capturá-los para fazer os exames e cuidar da saúde. A meta destes guias é fazer que nossos servidores orientem os homens, que normalmente estão fora [de casa], trabalhando”.

Entretanto, logo após esse pronunciamento, em que colocou as mulheres numa posição inferior ao se referir ao homem como o grande provedor da casa, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2014 vieram à tona, mostrando que as mulheres têm uma jornada semanal de quase cinco horas a mais que os homens, incluindo a jornada de trabalho doméstico. Ou seja, uma jornada dupla, na qual repartem seu tempo entre a casa e a família. Além de trabalharem mais, as mulheres em geral, e especificamente no Brasil, segundo os dados da pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID, recebem salários 30% menores que os homens.

O pronunciamento do ministro gerou grande indignação por parte das mulheres que, ao longo de vários anos, vêm lutando por direitos iguais que se concretizam muito lentamente. Situação que vai de encontro ao artigo quinto da Constituição Federal (CF), o qual diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". 

Entretanto, passados 28 anos da promulgação da CF, também conhecida como constituição cidadã, e mesmo com o crescimento do movimento feminista ao longo de décadas, as desigualdades e a opressão de gênero em relação às mulheres continuam alarmantes. Mas há algumas medidas compensatórias, como a criação das leis de igualdade formal como, por exemplo, a Lei Maria da Penha e a Lei Orgânica da Previdência Social, que cobram uma postura assistencialista por parte do Estado para com "minorias", ou seja, mulheres, idosos, crianças.

É por ainda se precisar de leis protecionistas que o feminismo, desde seu auge nos anos 1960, pauta a cultura em todos os aspectos. A sociedade patriarcal e machista cultiva a misoginia, a desvalorização, a mercantilização, além da hipersexualização, entre outras opressões sobre as mulheres. Como dizia a filósofa feminista Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se”, ou seja, desde o nascimento, o bebê do sexo feminino é moldado para se encaixar num papel submisso de mulher. Segundo as teses de Beauvoir presentes em seu livro intitulado como O segundo sexo, a imposição da feminilidade, da rivalidade feminina, da romantização do matrimônio e da gestação como complemento do ser mulher são estereótipos criados para limitar a existência da fêmea. Dessa forma, nota-se que de nada adianta cortar os galhos do problema e deixar suas raízes culturais.


Utopia ou busca

Para fazer jus ao processo da utopia de equidade, existem os movimentos e as frentes de mulheres que lutam pela igualdade de gênero. A militante e feminista do Coletivo Cores e Valores Daiene Sacramento nos diz que são muitas e recorrentes as mudanças em sua vida após conhecer o feminismo, especificamente o feminismo negro.


“Descobri o feminismo aos dez anos de idade, não pela ideologia em si, mas por práticas pessoais que já me proporcionavam uma oposição a imposição patriarcal da sociedade. No início me senti reprimida por não seguir o estereótipo de menina, pois gostava de brincar de carrinho e com coisas que a sociedade nos limita. Na época já fazia trabalhos sociais na igreja, o que me proporcionou conhecer muitas pessoas como, por exemplo, um grupo de Rap que me chamou para algumas reuniões. A partir dai comecei a participar da luta social de fato. Conheci o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e consequentemente a ideologia teórica do feminismo. Li Beauvoir, Rosa Luxembrugo, Wendy Goldman, o que esclareceu cada vez mais a importância do feminismo na vida de todas as mulheres. Com o movimento feminista negro ajudei a construir o Coletivo Cores e Valores, o qual tem o objetivo de sensibilizar as mulheres negras a autoafirmação de suas raízes, despertando assim a força que todas elas têm consigo, e que, entretanto, pela socialização feminina passiva, não percebem.”


Foto da Página Coletivo Cores e Valores
A igualdade de gênero, como toda utopia, fundamenta um processo intencional de desconstrução dos estereótipos de gênero social que limitam e subjugam o sexo feminino. "É necessário ter consciência de que toda mudança requer um longo prazo, principalmente mudanças culturais, ou seja, a luta feminista precisa ser construída e pautada diariamente em todos os âmbitos sociais. Importante ressaltar também que o movimento feminista, sendo uma luta pela desconstrução da sociedade patriarcal é pautado por mulheres, dando visibilidade às pautas de seus direitos, e nunca por homens", diz a feminista.



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